quinta-feira, 14 de maio de 2009

Escolhemos estas imagens e música, já que consideramos ilustrativas do que acontece às vítimas civis da guerra. A aparente banalidade da música entra em confronto com aquilo que ela realmente é, quando a sua letra é reflectida e ilustrada.

A música constitui uma alusão ao que se passa nos meandros da guerra, afectando muitas pessoas, que não somente os soldados, para servir os interesses de pessoas com maior poder. Através delas podemos ainda constatar que a guerra afecta não só os que a ela estão ligados directamente, mas os que a vivem de forma indirecta, como são exemplo as mulheres, as crianças e os jovens. Assim, perdem-se vidas, alimentando-se o ódio e o medo, já que os valores construídos podem inclusive ser postos em causa.

As imagens servem para reflectir um pouco sobre esta realidade, que muitas vezes nos escapa do pensamento, tal é a distância, quase privilegiada, a que nos encontramos dos conflitos. Para além disso, muitas vezes os civis ficam para segundo plano, havendo uma preocupação acrescida com os soldados, tanto durante como no pós-guerra. Ainda assim, sabemos que também os civis estão presentes e sofrem com a guerra. Podem sê-lo num segundo plano mas, na realidade, mais ou menos directamente a guerra acaba por ter um impacto imensurável nas suas vidas. Crianças cuja fase de desenvolvimento por excelência é, de algum modo, afectada ou mesmo prejudicada pela vivencia de uma guerra, podem ter efeitos irreversíveis. Neste sentido, julgamos pertinente “abrir os olhos” para esta realidade.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Vítimas civis da guerra




Prevenir o Futuro

Olhando para o novo milénio, prevenir a guerra tornou-se uma grande prioridade. Para esse efeito é essencial existirem modelos viáveis de reconstrução pós-guerra que quebrem os ciclos de violência.
Existem modelos que desenvolvem a capacidade local através da formação de formadores locais e que integram o trabalho psicossocial no maior projecto de reconstrução pós-conflito. Embora os seus elementos tenham de ser adaptados às realidades específicas das culturas e situações, existem várias características generalizáveis:
1) Holísticos, evitando o individualismo e a fragmentação existente em muitos projectos humanitários.
2) Baseados na comunidade e enfatizando a participação e a liderança do grupo local.
3) Baseados na cultura e utilizando os recursos da comunidade psicossocial que encaixam nas crenças e práticas locais. Evitam a aplicação dos modelos ocidentais e convidam a um diálogo intercultural, juntando aprendizagens que podem enriquecer a psicologia da paz.
4) Implicam documentação sistemática e processos de avaliação.

No futuro, a assistência psicossocial vai precisar de ser aplicada à escala mundial para responder efectivamente à crise das sociedades, como as da Bósnia, do Ruanda e outras que vivam conflitos intra-estados. A falta de assistência psicossocial em programas de reconstrução pós-guerra é susceptível de gerar feridas e clivagens sociais de onde podem resultar grandes conflitos.

Vítimas civis da guerra


Intervenção nas situações de pós-conflito

Os psicólogos, nas zonas de guerra, tendem a focar em problemas clínicos, como o trauma. Muitas crianças, se não preenchem os critérios para uma desordem de stress pós traumático, são vítimas de guerra a precisar de assistência. Contudo, este conceito requer algum cuidado, porque tende a individualizar o problema, sendo que concentrarmo-nos nele pode patologizar uma população inteira, retratar as pessoas como vítimas e subjugar a importância das diferenças individuais. E intervenções individualizadas não são compatíveis com a orientação colectivista e de grupo da cultura angolana.

Nas questões de guerra também é necessário ter em conta as dimensões culturais, nomeadamente as conotações espirituais dadas aos fenómenos de guerra. Estas dimensões espirituais dos acontecimentos de vida negativos têm muita importância e são fonte primária de stress. Os rituais de cura próprios da cultura (angolana) costumam ser utilizados para restabelecer a harmonia espiritual e são, neste contexto, uma fonte valiosa e sustentável.
Procurar a dor do passado é um passo essencial para um futuro positivo. Para promover a cura e a esperança é essencial revitalizar as comunidades, fortalecer as tradições e construir processos de diálogo e participação.
Como existem poucos psicólogos treinados nestes contextos, a ênfase deve ser dada à construção de capacidades locais e ao crescimento, para que se possa abranger um maior número de vítimas de guerra. As intervenções que têm por base a comunidade honram os locais da sua cultura, estimulam a aprendizagem mútua e o trabalho num espírito de participação, diálogo e companheirismo.




Intervenção levada a cabo em Angola

O CCF/Angola iniciou em Setembro de 1995 um programa de treino de 3 anos que mobilizou as comunidades a promover assistência psicossocial às crianças vítimas de guerra. O programa abrangeu as 8 províncias mais afectadas pela guerra e consistiu em treinar 4.000 adultos a assistir 320.000 crianças.
A análise da situação implicou identificar as necessidades das crianças, localizar os recursos locais disponíveis para assistir as crianças e apontar as comunidades com maior necessidade de assistência.
Antes de intervir procurou-se conhecer o contexto, contactando com a população, nomeadamente com os curas. Chegou-se à conclusão que a maioria dos adultos viam a agressividade das crianças como um sinal de desobediência e não a relacionavam com as experiências de guerra e violência.
Os adultos foram seleccionados com base no seu compromisso com o bem-estar das crianças e com a sua capacidade para assistir um número significativo de crianças. Houve um esforço para que estes fossem de diferentes sectores e para que houvesse um equilíbrio entre géneros.
Primeiramente, fizeram-se seminários de treino para os adultos que incluíam os conceitos básicos de 5 áreas: desenvolvimento psicossocial das crianças, o impacto da guerra nas crianças, rituais de morte, métodos de cura, resolução não-violenta dos conflitos. As discussões sugeriram que o stress de guerra aumenta os níveis de violência familiar, pelo que é necessário trabalhar para prevenir mais incidentes de violência. Os seminários permitiam aos adultos falarem acerca das suas próprias experiências de guerra, sendo que alguns o faziam pela primeira vez.
Posteriormente, o treino com as crianças incluiu actividades de expressão artística, eventos desportivos e diálogos educacionais. Foi feita uma “ponte” com os curas tradicionais. A metodologia do desenho livre permitiu que as crianças relatassem as suas experiências de guerra. As actividades de grupo incluíram canto, dança, desportos e diálogos educacionais informais.
Fizeram-se discussões sobre as necessidades das crianças, que envolveram a comunidade, de formas que lhes facilitassem a sua identificação. Para além disso, reconhecendo a grande interligação entre o bem-estar psicossocial e o desenvolvimento económico, o grupo de trabalho ajudou a planificar e a implementar projectos em curso. Assim, as comunidades tornaram-se agentes da sua própria reconstrução.
Os seminários aumentaram a conscienciosidade acerca das necessidades psicossociais das crianças, das relações entre as experiências de guerra das crianças e o seu comportamento e de como a guerra afecta os adultos e as comunidades.
Os adultos reportaram que os seminários tinham aumentado a sua auto-estima ao validar os aspectos tradicionais da cultura que foram suprimidos durante o regime colonial.
Resumindo, a intervenção teve os seguintes impactos positivos nas crianças: melhorou as relações entre crianças-crianças e adultos-crianças, melhorou o comportamento e a cooperação na sala de aula, diminuiu comportamento de isolamento, diminuiu a frequência de jogos e brinquedos relacionados com a guerra, reduziu a violência e o comportamento agressivo entre as crianças, diminuiu os problemas de concentração, fez decrescer a hipervigilância e aumentou a comparência na escola.
Os melhores resultados foram obtidos nas comunidades que iniciaram projectos de construção, uma vez que estes ajudaram a construir um planeamento efectivo e a restabelecer um sentimento de controlo e esperança, os quais são vitais para a resiliência. Os projectos tornaram-se monumentos visíveis de “empowerment” da comunidade, de saída em relação ao passado e de eficácia na construção de um futuro.

Vítimas civis da guerra



Consequências da guerra nos civis

A guerra causa danos físicos, psicológicos e sociais e, por isso, a psicologia da paz tem um papel fundamental na reconstrução pós-guerra e tem sido uma área bastante explorada. Contudo, a reconstrução psicossocial exige um processo multidisciplinar.
Em Angola, nomeadamente, surgiu um programa de reconstrução psicossocial que se propunha a curar os efeitos da guerra, desmobilizando e reintegrando as crianças, sendo que o trabalho tinha exigências específicas devido às necessidades extremas e aos constantes ciclos de violência.
A reconstrução pós-guerra é necessária a diversos níveis tais como o económico, político, social e psicológico. No entanto, a intervenção psicossocial é menor, embora fundamental. Isto porque, apesar da assinatura do acordo de paz ser, igualmente, um passo fundamental, este não constitui a paz por si, porque o sistema de violência permanece com facilidade.
A exposição à violência, impede o desenvolvimento a vários níveis sociais. Por exemplo, crianças que tenham sido expostas a violência podem vir a ter problemas de aprendizagem e adultos expostos a violência podem não ser capazes de tomar boas decisões a nível de saúde, governo e futuro. Para além disso, a intervenção psicossocial pode ser benéfica para prevenir novos conflitos.
A guerra tem um impacto imensurável nos civis, sendo as crianças um alvo a destacar. Em Angola, por exemplo, estes constituem cerca de metade da população, constituindo, portanto, o futuro, sendo que o dia-a-dia que conhecem é em contexto de guerra. Estas crianças vivem numa pobreza crónica no seio de uma comunidade destruída, o que potencia medos irreversíveis, pesadelos e grandes dificuldades de concentração.
Para além dos momentos de guerra, também os de pós-guerra são indicadores de distúrbios. A pobreza, agravada pela guerra, leva a que haja estigmatização de algumas crianças, que nunca chegam a conhecer outro “mundo”, que não o da guerra, enveredando por caminhos de criminalidade, geradores de constante insegurança, devido à privação da educação a que estiveram sujeitos.